uma história de duas letras

Michael Maia
3 min readOct 28, 2020

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estava deitado olhando as fotos no instagram, chamou atenção por um cabelo loiro estonteante e um sorriso bonito acompanhado de uma cerveja. Mandou um direct e esperou a resposta. Dois dias conversando, papos sobre o novo de ariana grande, a volta de madonna nos shows, a candidata trans a prefeitura da cidade, e assim marcaram um drink no centro. drinks, mas foi apenas cada um segurando um latão de brahma e fitando o olho um do outro. “eu acho que ele vai ser o cara, dessa vez vai.”

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tomando uma cerveja no centro com os amigos recebeu uma mensagem no instagram, um rapaz barbudo e baixinho (era o que mostrava na maioria das legendas das fotos) elogiava o sorriso. O papo fluía, segurou a opinião na maioria das vezes, mas manteve a educação (“só tenho a ganhar, ele é bonito, e daí?”). Se encontraram no centro, cada um tomando uma cerveja, conversando. “eu quero beijar esse rapaz mais do que nunca, que rostinho lindo”.

No início de março começaram a namorar, logo depois de uns dois meses saindo e conhecendo os amigos um do outro. Primeiro, x, achava que y não o amava, que era só uma fase repentina, uma carência a ser resolvida, “não vai durar mais que seis meses, amiga”, dizia incansavelmente a companheira de apartamento. Sofria a cada mensagem não lida às 23h da noite, acordava no meio da noite esperando uma resposta, angustiava por segurar as mãos um do outro em passeios no parque, mas a “mão segurando o latão de brahma é mais importante né?”, dizia com um ar de tristeza.

Era o final de verão e y estava adorando namorar, conhecer novos amigos, para ele poder conhecer e dialogar com novas pessoas era um dos benefícios de ter um novo namorado. Sentia vontade de abraça-lo toda vez que estavam conversando com os amigos e o via falar sobre o trabalho e as dificuldades do cotidiano. Mas ao mesmo tempo seguia livre, trabalhava e aprendia coisas novas, dormia cedo, acordava tarde, respondia a mensagens da família distante e voltava a dormir. Gostava de compartilhar uma cerveja com x, enquanto passeava pelo parque, sentia em casa ao lado dele. Tudo estava seguindo normal, leve, como sempre sonhava, até que:

“Não consigo mais. Por mim chega.” Quarta-feira, estavam comendo um acarajé no centro e tomando uma cerveja de leve, x dizia olhando enquanto y mexia no celular. Ele largou o celular na mesa e ficou olhando o parceiro, x sentia uma pele de camarão no canino, queria tirar, mas achou que não era hora para uma pausa na conversa. “Por mim, se você quiser um relacionamento leve e sem compromisso, Y, tudo bem, mas não me peça para ficar te esperando horas e horas enquanto você bebe com seus amigos. Olha, eu já tomei uns bons tombos achando que relacionamento ia durar, mas no final a pessoa não estava no mesmo nível que eu.”.

Y sentiu uma pontada lá no fundo do estômago. Seria a gastrite voltando? Péssima hora para pegar o celular e procurar o número do gastro, acabara de deixar na mesa para olhar o parceiro. “Você acha que eu tô te traindo?” perguntava enquanto pensava no erro que foi ter ido comer acarajé em plena quarta-feira. X dizia que não, não era traição, era apenas a falta de amor que ele sentia, a falta de afeto. Não era diferença de idade, os dois já passavam dos 25, já estavam cada um crescendo profissionalmente, a sua maneira. Sempre esteve presente, queria chamar para dormir mais vezes em sua casa mas queria respeitar o tal espaço do outro.

A conversa ficou civilizada, cada um explicando o que sentia. E foi assim, durante uns bons anos, até entenderem que x cresceu a base de um relacionamento forte dos pais, assistindo comedia romântica, e nunca mudaria sua maneira. Assim como y, que mesmo crescendo da mesma forma, (achou que eu ia culpar os pais né?), sua forma de expressar o amor era diferente. Vivia intensamente cada um a sua maneira, sofrendo de um jeito diferente, hora vendo filmes de drama, outra tomando uma dose de conhaque vencido na geladeira. Gostar um do outro infligia mais do que expressões, frases ditas no meio do café da manhã, ou presentes ocasionalmente dados em datas comemorativas.

Terminaram, mas não por conta da diferença do amor de cada um.
Apenas era assim, os relacionamentos duravam o que tinham que durar.

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Michael Maia
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Written by Michael Maia

tomo café sem açúcar pra poder comer doce sem culpa.

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