Tubarão (Jaws): como fazer um suspense sob o sol
Era 1998, no interior de Minas. Um sofá virava uma montanha e eu escalava aterrorizado ao som do “tum tum tum tum”. Meu avô gargalhava enquanto alguém segurava meus braços tentando me acalmar. Era um domingo à tarde, eu acho. Foi a primeira vez que senti medo de um filme, e com o medo, veio a obsessão. O desejo pelo mistério, por descobrir o que era aquele gigante bicho do mar retratado e por que eles precisariam de um barco maior.
Tubarão (Jaws, 1975) é o emocionante suspense de Steven Spielberg, baseado no livro homônimo de Peter Benchley. O enredo se passa na fictícia e pitoresca Amity Island, na Nova Inglaterra, Estados Unidos, um ponto turístico no verão que é abalado por um grande tubarão-branco ameaçando o feriado e a vida dos banhistas.
A história nos apresenta seus personagens principais de forma muito simples e natural. Vale destacar que a maior estrela só é vista depois da metade do filme, em uma cena perfeita, como se ele dissesse “oi” para nós, espectadores.
Por falhas mecânicas na produção do gigantesco boneco, o diretor optou por escondê-lo por longos minutos, criando um clássico do terror em que mal vemos o “vilão”. Essa escolha funciona perfeitamente para o embate inicial entre ciência e política na primeira metade da obra. O capitão da polícia, Martin Brody (Roy Scheider), tenta inutilmente parar as atividades na praia, ao lado do oceanógrafo e porta-voz da ciência Matt Hooper (Richard Dreyfuss). Do outro lado, o prefeito Larry Vaughn (Murray Hamilton) e os comerciantes se recusam a interromper a “economia”.
Sem vermos claramente a criatura que aterroriza os turistas, o suspense criado é magnífico. John Williams, creditado pela icônica trilha sonora, bebeu da fonte de outro clássico: Psicose, de Hitchcock, mestre do suspense norte-americano. A combinação entre a música e as cenas submersas resultou no filme de verão mais agonizante do século passado.
Spielberg tinha apenas 27 anos na época e decidiu rodar as cenas em alto-mar, contrariando os produtores do estúdio, que argumentavam ser mais rentável construir uma piscina para as filmagens. “A água de um lago ou de um tanque não tem a mesma textura e até violência que o oceano”, justificou-se. Os efeitos técnicos eram extremamente difíceis de executar nessas condições. Imagine bonecos de tubarão em alto-mar?
Em Jaws, o suor e as rugas de expressão são vistos de longe. As cores, por mais chamativas que sejam sob um sol escaldante de verão, seguem uma paleta de azul e marrom, criando um visual certeiro e realista. O que me fascina em Tubarão é sua coloração nada exagerada, trata-se de um filme de suspense ambientado durante o dia, que evita o alto contraste, não transformando a areia em um amarelo berrante, o sangue em um vermelho como em slasher ou o oceano em um azul intenso.
Pelo contrário, Spielberg faz jus à ideia de tornar o mar um personagem da trama. Na parte do filme em que os três homens saem à procura do grande vilão, o oceano é filmado em um tom esverdeado e sombrio.
Devo dizer que a vilanização da fera do mar me incomoda um pouco. Mesmo que o discurso do marinheiro Quint justifique sua aversão ao animal, o conceito de um “monstro” da natureza não se encaixa mais nos dias de hoje. Claro, admitimos que o monólogo de Quint é magistralmente entregue por Robert Shaw, narrando sua experiência em alto-mar, onde passou cinco noites aguardando resgate e vendo seus colegas de missão sendo arrastados por tubarões-tigre.
O filme enfrentou dificuldades durante a produção: o orçamento triplicou, houve atrasos na entrega, e a equipe estava insatisfeita com as condições de trabalho. Isso resultou em poucas salas iniciais para sua exibição, ele competia com outro clássico, O Rei Leão, da Disney. No entanto, sessões de teste mostraram que o “mero suspense de tubarão” poderia causar um impacto muito maior. Há relatos de espectadores saindo das salas para vomitar, gritos constantes e pessoas abandonando o cinema. O terror estava naquilo que não podíamos ver: o improvável, o mistério da fera que mata uma jovem nos minutos iniciais do filme.
Jaws é um clássico que perdura no tempo. A discussão entre ciência e política ainda pode ser aplicada a diversas situações atuais (infelizmente). A famosa frase improvisada “You’re gonna need a bigger boat” (“Você vai precisar de um barco maior”) tornou-se um eufemismo para enfrentar desafios inesperados. E Spielberg, então um jovem de 27 anos, seguiu adiante com thrillers ainda maiores e mais marcantes.