por conta dos meus pés, ele terminou comigo

Michael Maia
4 min readNov 23, 2024

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— Não sei, cara, não gosto como você pisa.

Ele me disse isso no nosso, sei lá, já era o quinquagésimo encontro? Considero encontro como algo planejado, quando é só eu e a outra pessoa, claro que o Marcos e eu nos encontramos casualmente nesses cinco meses em outras maneiras sem ser nesta lanchonete no centro de Belo Horizonte cada um com um palito de dente na mão prontos para terminar um prato de fígado com jiló.

— Eu não entendi.. — eu comento enquanto pego a cerveja e coloco nos nossos copos. Percebo que ele não vira o copo para não dar muita espuma como sempre faz, já achei muito estranho, Marcos odeia espuma na Original. — Você acha que eu faço muito barulho?

— Não cara, não é sobre isso…

Por um momento eu vejo aonde esta conversa caminha, Marcos e eu nos encontrávamos sempre nas festas, nos festivais, ele era amigo de alguns amigos da empresa, tínhamos vidas totalmente diferentes, até percebermos que os beijos esporádicos podiam se tornar mais frequentes.

Marcos era advogado no início da carreira, mudou de emprego há uns dois anos. Era contador, entendeu que gostava de falar. Eu trabalho com t.i., a antiga profissão carregadora de cabos, aprendi com um tio e fiz um curso lá no final da década de 90, hoje eu atendo clientes no centro de BH resolvendo problemas no sistema de vendas de lojas.

Ando o dia inteiro, ainda carrego alguns cabos, mas na época dos anos 2010 eles eram maiores, graças ao universo e a tecnologia, hoje eles cabem na minha mochila. Quem diria que o colapso da humanidade teria seus benefícios. Talvez o mundo podia acabar mesmo, agora que eu vejo que o meu pequeno advogado não vai mais continuar nosso flerte semanal e está em uma tentativa grotesca de terminar o que mal começamos.

— Sabe, a gente se dá muito bem, Fernando, muito mesmo, eu sinto que poderíamos continuar assim mas é que…

— Eu piso diferente. — Comento rindo e mastigando um jiló. Mais amargo que o normal.

— Não, cara, você tá olhando pelo mal jeito, eu quis dizer que algumas coisas que você faz me irritam um pouco.

— E como que eu piso?

Ele olha pro lado, parece mais estressado que o normal, será que ele ficou mais grisalho desde a última quinta-feira quando nos vimos pela última vez? Antes que ele me desse uma resposta, eu entrei para um vórtice tentando lembrar como foi meu final de semana sem encontrar o Marcos. Nos falamos por poucas vezes, reagiu em alguns stories, e o que por mim estava ótimo, homem dependente já não era minha praia mais, tenho mais de quarenta (anos, e não homens).

Talvez, realmente havia um sinal de que não iríamos continuar nosso caso, o sexo rápido da semana, ou a transa demorada de fim de domingo, ele ficou afastado durante esses dias em que eu, abrindo o grindr não via aquela foto da sunga azul dele perto de mim.

Por mim era tranquilo não sermos fechados um com o outro ainda, ver a bolinha verde no perfil dele em um cardápio de machos às vezes não era confortável, mas era o que a galera fazia, e eu aproveitava para sempre estar ali, na espreita, vendo quem podia estar em nosso bairro. Paguei um mês de assinatura neste raio de aplicativo para me deixar invisível, quis fazer um charme.

Talvez, eu metia mal, pensei comigo. Afinal, a gente apenas transava e seguíamos a vida. Tivemos bons encontros, comemos e dividimos a conta em restaurantes caros, experimentamos um novo japonês da cidade, fomos em festas de aniversário juntos. Será que era só uma transa mesmo? Será que eu era ruim de cama assim? Tive uma amiga no trabalho que reclamava como o marido de dez anos de casamento não curtia transar direito. Hoje ela é solteira, bissexual e DJ.

— Fernando. — Ele me chama, percebe que durante uns cinco minutos eu olhava para o nada enquanto perdia meus pensamentos nos nossos meses, ranqueando nossas transas e tentando entender se eram boas ou não. — Você me ouviu?

— Não, desculpa, repete aí. — Comecei a ficar mais amargo que o jiló.

— Eu acho que você pisa com o pé aberto.

— Que merda é essa, gente?

— Sei lá, acho estranho, seus dedos ficam abertos quando você pisa, eu acho mais bonito os dedos juntinhos, coladinhos. Sabe?

Ele terminou comigo por isso.

A conta deu 29 reais para cada.

Eu cheguei em casa e postei uma foto de havaianas brasil com meu pé, pós-banho, claro. Rendeu algumas curtidas nos stories e uma conversa durante a madrugada com um rapaz do sul que era apaixonado com pés. Contei para ele que EU achava meus pés esquisitos por conta dos dedos, ele achou nóia minha, confiei porque alguém que entende do assunto gostou.

Marcos me bloqueou.

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Michael Maia
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Written by Michael Maia

tomo café sem açúcar pra poder comer doce sem culpa.

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