o inseto

Michael Maia
2 min readJan 10, 2025

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De novo, vejo o inseto. Reparo nas asas, agora recolhidas, repousadas como se descansassem após longos dias voando em volta da minha cabeça. Talvez não dias. Anos.

Tento matar o inseto. Tento afastá-lo com o chinelo. Seguro com força a borracha da Havaianas, minha palma dói, o pulso lateja, e eu penso em aliviar toda a raiva em um rosto. É normal sentir tanto ódio de um inseto? Kafka escreveu sobre um.

O inseto voa novamente. Eu esqueço. Eu deito, trabalho, como, cago, viajo para outra cidade. Esqueço. Depois lembro de novo. Fico irritado. Vejo meus pais. Penso: será que eles veem o inseto? Será que o mesmo inseto os persegue? Será que é geracional?

Não me lembro do inseto quando eu namorava. Ele existia naquela época? Quase mandei mensagem para um ex outro dia, mas não caberia no meu eu de 2025 perguntar se eu já era estressado assim.

O inseto não ousa pousar em mim. Ele sabe do que sou capaz. Ou não sabe? O inseto é burro, penso. Quero esmagá-lo na parede, sentir o sangue escorrendo pelos dedos, deixar ali o sinal da vitória. Quero apertá-lo e sentir ele ficando cada vez menor. Mas o inseto não tem culpa. É feito de material mais frágil que cristal. Bicho bobo, zureta das ideias, provavelmente nem sabe da minha existência. Estou me preocupando à toa.

A Terra gira em 23 horas e uns quebrados. Tenho certeza de que há coisas mais importantes para esse inseto fazer.
Mas, ainda assim, eu sinto raiva do inseto.

O arrependimento é um inseto que me consome por dentro, me faz ranger os dentes toda manhã e sonhar com outras vidas à noite. O inseto vive, morre, ressurge, desperta, come, mija, caga, viaja… Essa praga parece que nunca vai embora.

Study of Flowers and Insects — Balthasar Van Der Ast

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Michael Maia
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Written by Michael Maia

tomo café sem açúcar pra poder comer doce sem culpa.

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