o dia em que acabou a luz em pleno jogo do brasil

Michael Maia
2 min readNov 28, 2022

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Este caso aconteceu em uma cidade do interior qualquer, dessas cidades onde o centro se prolonga em uma rua, os bairros se alastram entre planícies e as casas mais altas conseguem enxergar todo o horizonte. Foi em um dia de copa. Era jogo do Brasil.

A cidade acordou cedo, era verão e o sol despertou logo antes do horário, as portas barulhentas das lojas abriram, as padarias serviam o café antes das sete. Assim como na obra de Aluísio de Azevedo, toda a cidade parecia viva, como uma personagem, pronta para seguir o dia. O burburinho logo cedo, os carros frenéticos, as pessoas caminhando, adiantando os afazeres, as comidas, os quitutes, as conversas apressadas, tudo era mais cedo neste dia, afinal, era dia de jogo do Brasil.

Então, chegando a hora do jogo, a cidade silenciou-se. Ouvia-se uns murmúrios, latidos e assovios de pássaros. Porém inicia-se uma agitação tornando-se um alto grito em um só tom. De repente não havia mais eletricidade. A cidade inteira se apagou. As televisões desligaram.

Alguns chegaram os rostos para os vizinhos perguntando desesperados se na casa ao lado também a tv desligara. Outros saíram às ruas gritando de raiva. Pegaram os celulares, e sem sinal, viraram apenas câmeras fotográficas e arquivos de conversas. Tentaram ligar para os companheiros e nada. Os mais ricos pegaram os carros e foram para as cidades vizinhas, não se sabe se realmente conseguiram assistir ao jogo, visto que não eram poucos que tiveram a mesma ideia, ocasionando no maior engarrafamento da história. Alguns, dos mais antigos, de sentar na beira do fogão a lenha com as pernas dependuradas com os chinelos agarrando apenas pelas correias, pegaram no armário os rádios de pilha. Quando ligados, ouvia-se apenas um chiado.

A cidade virou-se uma grande vai e vem de pessoas para todos os lados, umas andavam procurando um mísero sinal de celular, mas nenhuma barrinha aparecia no dispositivo. Outros foram para a porta da polícia, os homens lá do alto apenas gesticulavam que não podia fazer nada, afinal também queriam assistir ao jogo. Alguns homens começaram um movimento “foram os comunistas, eles odeiam o país” e outras pessoas se juntaram ao grupo. Marcharam até o partido comunista da cidade, alguns com pedras, tijolos e pedaços de ferro. Nos bolsos, algumas armas de fogo sem registro.

O partido comunista era apenas composto de duas pessoas, e o centro de reuniões era na casa de uma delas. Ambas estavam vestidas de camisas do Brasil, escutaram a multidão lá fora e silenciaram o chiado do rádio. Uma delas, com um copo de cerveja na mão, tomava pensativa e com medo do que poderia ser aquele apagão em pleno jogo da copa do mundo.
A outra, tomando um gole de aguardente diz:

- Pensa bem que jeito mais cafona de morrer nesse cu de mundo.

O Brasil perdera naquele dia.

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Michael Maia
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Written by Michael Maia

tomo café sem açúcar pra poder comer doce sem culpa.

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